Por Cintia Beatriz de Freitas Alves
Após a leitura das recentes normas locais que disciplinam a regularização fundiária no Distrito Federal para imóveis pertencentes à TERRACAP, regulamentando a Medida Provisória 759, de 22 de dezembro de 2016, percebe-se uma lacuna normativa, presumivelmente temporal, em relação ao reconhecimento de direitos à detentores de terrenos sem edificação e fora de ARINE (1).
O artigo 1º da Resolução 243, publicada no DODF 80 de 27 de abril de 2017 (2), é expresso no sentido de que a resolução trata de deliberação deste órgão colegiado sobre as regras para regularização fundiária urbana (REURB-E), por meio de venda direta, de imóveis residenciais unifamiliares de sua propriedade, localizados em Áreas de Regularização de Interesse Específico – ARINE (…) (3). Também, ressoa impositivo o texto do artigo 2º que dispõe que serão alienados tão somente os terrenos com edificação residencial unifamiliar existente.
O Decreto 38.173, assinado em 04 de maio de 2017 e publicado no DODF 85, de 5 de maio de 2017, não enfrenta nenhum conceito. Trata exclusivamente da emissão da Certidão de Regularização Fundiária – CRF, prevista no inciso VI do art. 33, da MP 759 da Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, no âmbito do Distrito Federal.
No tema, há uma peculiar situação que é àquela da APA do São Bartolomeu, localizada nas regiões administrativas de São Sebastião – RA XIV, Jardim Botânico – RA XXVII, Paranoá – RA VII e Planaltina -RA VI (4).
Ocorre que desde janeiro de 1996 existe a Lei 9.262 que disciplina a venda direta para as áreas públicas ocupadas, localizadas nos limites da Área de Proteção Ambiental, que sofreram processo de parcelamento reconhecido pela autoridade pública (art. 3º).
O § 2º do artigo 3º permite adquirir a propriedade dos lotes, nos termos do caput deste artigo, àquele que comprovar, perante a Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap, ter firmado compromisso de compra e venda de fração ideal do loteamento, prova esta que deverá ser feita mediante apresentação do contrato firmado com o empreendedor do loteamento ou suposto proprietário, além da comprovação de que efetivamente pagou, ou está pagando, pelo terreno, através de cópias dos respectivos cheques e extratos bancários, ou comprovação de que tenha pago o terreno com algum bem que estava em sua esfera patrimonial.
Convém exemplificar que parte dos terrenos, como aqueles localizados no condomínio Estância Quintas da Alvorada, possui inclusive legislação individualizada desde 2002, via da Lei Complementar 506. Saliente-se que as duas leis supra referidas possuem constitucionalidade ratificadas publicamente porque foram levadas à julgamento para aferição de sua constitucionalidade e ambas tiveram a validade confirmadas pelas respectivas Cortes Judiciárias competentes do País (5).
Assim, é possível concluir que, desde 12 de janeiro de 1996, os detentores de fração ideal na APA de São Bartolomeu possuem, preenchidos os requisitos enumerados, direito à aquisição por venda direta, independentemente do terreno estar localizado em ARINE ou mesmo possuir edificação. Esse reconhecimento de direito também está assegurado na legislação federal via do texto recente da Medida Provisória 759, de 2016.
Conforme indicado no início do texto, tem ocorrido movimento recente e evolutivo do governo distrital direcionado à promoção da política de regularização fundiária ,encampada de maneira inédita pelo governo federal através da MPV 759/2016 já em processo adiantado de conversão em Lei. Hoje, é possível, na capital federal, confiar na retomada do controle estatal da urbanização ordenada da importante unidade da federação.
Contudo, para o arremate do eficiente trabalho de regularização urbana, de forma a evitar confrontos sociais, políticos e judiciais, torna-se oportuno reconhecer em benefício dos detentores de terrenos sem edificação e localizados fora de ARINEs que:
I. compraram as frações com respaldo da legislação acima indicada, vigente e eficaz, que não fixam barreiras ao direito de regularizar os terrenos;
II. participaram da cotização para a infraestrutura, visivelmente fundamental e eficiente que a região possui, constituída por iluminação pública, pavimentação, escoamento pluvial, instalações elétricas, arquitetura planejada dos equipamentos já instalados, guaritas, segurança modelo, canteiros, jardins, espaços verdes etc;
III. pagaram (e ainda pagam) IPTU individualmente, o que realça o ora defendido jus, contribuindo, em valor significativo, para os cofres públicos, tendo em vista o elevado valor da tributação atribuído para terrenos sem edificação na região em debate. A título de exemplo, no Condomínio Estância Quintas da Alvorada, a arrecadação estatal decorrente só da tributação dos terrenos vazios supera os três milhões de reais por ano. Nesse ponto, oportuno frisar ainda referente ao caso concreto ora mencionado, o fato de constar nos cadastros estatais a existência da situação de fato há mais dez anos que elide ainda a argumentação de clandestinidade conjuntamente com a Lei Complementar 506, de 2002, conforme fora alegado pela Promotoria da Ordem Urbanística na Recomendação 4.
IV. aguardam a regularização fundiária para construir com alvará o que, por fim, é a derradeira motivação dos que ainda não construíram e, portanto, não possuem edificação.
Cintia Beatriz de Freitas Alves
Voluntária da Comissão de Regularização Fundiária do Movimento Comunitário do Jardim Botânico
Diretora Institucional do Condomínio Estância Quintas do Alvorada
(1) Regiões indicadas no Plano Diretor do Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT (Lei 803 de 25 de abril de 2009 com as alterações da Lei Complementar 854 de 15 de outubro de 2012), como Área de Regularização de Interesse Específico.
(2) aprovada pelo Conselho de Administração da Companhia Imobiliária de Brasília/CONAD-TERRACAP, na Sessão 1847ª – realizada, em 20/04/2017.
(3) de acordo com o estabelecido na legislação vigente, especificamente na Medida Provisória nº 759/2016, de 22 de dezembro de 2016; na Lei Distrital n.º 4.996/2012, de 19 de dezembro de 2012; na Lei Federal nº 9.262/1996, de 12 de janeiro de 1996; no Código Civil Brasileiro – Lei Federal nº 10.406/2002, de 10 de janeiro de 2002; na Lei Federal nº 8.666/1993, de 21 de junho de 1993, e demais legislações pertinentes, e dá outras providências.
(4) http://www.ibram.df.gov.br/component/content/article/257-unidades-de-conservacao/267-apa-do-sao-bartolomeu.html. APA criada e descrita no Decreto nº 88.940, de 7 de novembro de 1983.
(5) Lei 506 de 2002 na Federal ADI 34259, julgada improcedente no Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito e Territórios; e Lei 9.262 de 1996, ADI 2990, julgada improcedente pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.