Melillo Dinis do Nascimento
A Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS, instrumento apto a regulamentar o uso do solo em todo o Distrito Federal, nos termos do Art. 318 da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF), em breve entrará na fase de discussão parlamentar e votação na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Aprovado no Conselho de Planejamento Urbano e Territorial (CONPLAN), foi pelo Poder Executivo e aguarda apenas nosso parlamentares.
O que é? Ela é instrumento complementar do Plano Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT (Lei Complementar nº 803 de 25 de abril de 2009 com alterações decorrentes da Lei Complementar nº 854 de 15 de outubro de 2012) e como tal deve estar compatibilizada com este. Ela se insere como um dos marcos legais fundantes das políticas de ordenamento territorial e de desenvolvimento urbano do DF, que envolvem, além do PDOT, outros instrumentos complementares: o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) e os Planos de Desenvolvimento Local.
Previsto na Lei Orgânica do DF, todo esse arcabouço legal deve ser permanentemente articulado e passar por revisões periódicas. Os parâmetros de uso e ocupação definidos para cada localidade devem refletir as proposições do PDOT. É necessário que a futura LUOS esteja alinhada com as estratégias de ordenamento territorial (de dinamização, revitalização, estruturação viária e polos multifuncionais) previstas no PDOT. É um período importante para cada um dos moradores do Distrito Federal. Há grandes possibilidades de alterações legais nas normas administrativas que regulamentam o uso do solo. O assunto, portanto, é muito importante para ficar apenas nas mãos e nas cabeças dos técnicos e dos nossos parlamentares. Mais ainda em um ano eleitoral como será o de 2018.
A LUOS tentará consolidar o cipoal de leis (são 420 normas urbanas e seis planos diretores locais vigentes) que tratam do tema a partir desta articulação com outras leis (a LODF e o PDOT, por exemplo). Da mesma forma, a LUOS vai oferecer mais responsabilidades aos diversos atores que estão submetidos a uma cidade em permanente transformação com as características especiais deste quadradinho (que é um retângulo na verdade).
Em textos outros apresentei a dualidade de Brasília, entre o planejado e o real, que sempre cria situações esdrúxulas, aumenta a insegurança jurídica e amplia as desigualdades e os desequilíbrios da cidade. Esta característica de Brasília, além dos problemas inerentes a este desafio de ser sonho dos arquitetos e morada dos viventes, pode vitimizar os incautos e favorecer os espertos! Daí a importância da LUOS, como dos demais instrumentos legais de ordenamento territorial.
Outro cuidado é entender o Distrito Federal como um espaço plural e diverso, submetido a um modelo econômico que cada vez mais transita do majoritariamente estatal para se constituir num polo de empreendimentos e empresas que devem ter como características essenciais a ética pessoal, o respeito pelo lucro, o compromisso com a sustentabilidade e a inclusão social, sem nenhum preconceito ou modelo que não seja o da liberdade com responsabilidade.
Há outra importância que muitos não estão atentos. A modernidade, uma era de muitos direitos e poucos deveres, trouxe consigo uma concentração de ideias e concepções sobre a cidade. Dentre elas, a construção de um conceito da cidade como algo entre um espaço geográfico e um projeto civilizatório. Como direito à cidade, mais que o campo de uma legalidade prévia, criou-se a ideia de um campo urbanístico que deve ser parte do conflito permanente entre liberdades e lutas sociais. Ora, este permanente conflito reflete-se na produção das leis.
E, claro, estará presente nos debates da CLDF. Saber identificar estes interesses é fundamental antes da aprovação da mesma, sob o risco de a maioria da população continuar a sofrer com as incertezas institucionais e as espertezas de tantos que, sob a forma da ganância implícita e da corrupção já mais explícita, insistem em tenebrosas transações.
Diante desta quadra, a resposta necessária é que este tema merece toda a sua atenção. Não é possível apenas delegar aos representantes. O poder efetivo de organizar a vida urbana escapa da administração local, pois esta desempenha tão somente um papel de agilizar e coordenar. Quando este papel é ultrapassado logo desconfie. É necessária, neste momento, uma ampla coalizão de forças, pessoas e organizações, empreendida por diversos e múltiplos agentes, mesmo em uma densidade social variada e conflituosa, antes que seja tarde demais. E o último a saber seja você.
MELILLO DINIS DO NASCIMENTO, advogado em Brasília-DF (www.melillo.adv.br), professor e pesquisador especialista em Direito Público, é Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA (2016). Tem formação em outras áreas das ciências sociais (Relações Internacionais e Ciência Política). Diretor desde 2012 do Instituto Brasileiro de Direito e Controle da Administração Pública – IBDCAP, em Brasília-DF, atua em alguns movimentos sociais, foi da Comissão Brasileira de Justiça e Paz – órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília-DF. É autor de vários artigos e livros. Destacam-se Sociedade, Igreja e Democracia (São Paulo: Ed. Loyola, 1989), Direito, Ética e Justiça: reflexões sobre a reforma do Judiciário (Petrópolis: Ed. Vozes, 1996) e Lei Anticorrupção Empresarial: aspectos críticos à Lei nº 12.846/2013 (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014). Nos últimos anos investiga a relação entre a ética, a política, a corrupção e os direitos humanos. É analista político de várias entidades, grupos de interesse e do Instituto Lampião – Reflexão e Debates sobre a Conjuntura (Brasília-DF).